Pedro Henrique Reinaux | @phr.foto

ENTREVISTAS

Entrevista Bruno Vieira

Em defesa da democracia: a luta contra o racismo no centro da política

Bruno Vieira é jornalista, mestre em Psicologia pela UFMG e doutorando em Psicologia pela UFPE. Desde 2009 envolve-se em questões relacionadas a Direitos Humanos, Comunicação Popular, Educomunicação e Cultura e, recentemente, Relações Étnico-Raciais e Epistemicídio. Publicou em 2019 o livro “Ativismo Juvenil e Políticas Públicas. É associado da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN).

  1.  Movimentos antirracista, antifascista e pró-democracia no Brasil

O movimento antifascista surge como uma resposta ao nazismo europeu, em ascensão nos anos 1930. O movimento antirracista é uma resposta à opressão das pessoas negras que foram sequestradas e escravizadas no Brasil e pelo mundo. Poderíamos dizer que são lutas que se aproximam, porque o que ambos os movimentos têm de convergente são o fato de serem lutas anti-opressões – antirracismo contra o racismo manifestado de maneira estrutural e estruturante na sociedade e antifascismo contra o fascismo que segrega pessoas diferentes do que se considera “aceitável”.

O antirracismo é uma das bases mais fundamentais do antifascismo – veja que no caso europeu, a Alemanha Nazista praticou segregação não somente contra os judeus, mas contra ciganos, homossexuais, pessoas negras e toda e qualquer comunidade que destoasse dos ideais arianos. Isso também é uma prática racista, na qual você objetifica, segrega e considera o outro inferior, subalterno. A racialização é um processo pelo qual você classifica os sujeitos de acordo com fatores tidos como científicos para justificar a pretensa superioridade daquele que racializa. E em se tratando de racialização, a população negra é quem mais se expõe a esse processo – a escravização, pilar do capitalismo moderno e contemporâneo, é o principal exemplo disso.

A população negra, pensando no recorte brasileiro, foi desde sempre vítima de uma subalternização que lhe apaga suas referências sociais, culturais, históricas e políticas, dos seus modos e jeitos de viver. Procede-se desde o século 16 um genocídio dessa população, uma prática de submissão dessa população a modos de ser, viver e criar muito distintos do que sempre foram para essas pessoas. O fascismo é um braço, uma das forças opressoras que nos atinge enquanto população negra (atinge outras populações, mas não deixa de recair sobre nós, negros). Ele também é um sistema, um projeto de dominação, que dialoga com o projeto opressor da colonialidade do poder.

É necessário, dessa forma, entender o antifascismo como ampliação e reverberação da luta antirracista. Percebo certo divisionismo nas lutas, como se fossem distintas, e isso não deve acontecer. A interseção entre lutas é, neste momento, muito mais importante do que uma defesa purista de movimentos ou de bandeiras. Quem for contra o fascismo imperante no país, legitimado com as eleições de 2018, necessita obrigatoriamente vestir a camisa do antirracismo.

  1. A participação social em meio à crise sanitária, política e econômica do país

O movimento social popular é uma das mais importantes bases para a transformação positiva da sociedade. É o movimento popular que denuncia a violência do Estado, que exige desse mesmo Estado as reparações pelos seus atos (ativos ou omissos) e que luta para que haja uma melhora positiva na vida das pessoas, de forma que elas possam minimamente existir. O movimento social popular não tem necessariamente uma diretriz única, mas sua atuação converge na construção de uma sociedade mais justa, equânime e que respeite as diferenças, as diversidades entre pessoas e grupos. É o movimento social quem vai buscar as bases para lutar contra as intolerâncias, contra o desrespeito às liberdades coletivas, individuais e subjetivas e enfrentar as adversidades colocadas pelo processo de subalternização das pessoas tidas como não desejadas socialmente.

O movimento social negro remonta às lutas e guerrilhas ocorridas no século 19 (como a Revolta dos Malês), passa por certa institucionalização (como foi a Frente Negra Brasileira, nos anos 1930) e chega aos dias de hoje (passando pelo Movimento Negro Unificado, criado nos anos 1970) com realizações difusas, formas diferentes de ação e de combate. Esse é um grande valor do movimento social: a possibilidade de se capilarizar em diversas frentes, não atuando de maneira única. Em se tratando de uma luta contra as estruturas de poder que mantêm uma lógica colonial genocida, contra a institucionalização da necropolítica que incide sobre as pessoas negras, a favor de espaços de sociabilidade e subjetividade para que a população negra se reconheça como tal, o movimento social atua de forma deveras importante na utopia por uma sociedade mais equânime.

Face ao racismo estrutural e estruturante que nos assola, o movimento social (movimento negro, de vilas e favelas, dos sem-terra, dos sem teto, agroecológico, de Direitos Humanos, cultural etc.) contribui de maneira não só a visibilizar essas questões negativas, mas de também criar saídas positivas, criativas, que criam possibilidades micro em contextos de opressão macro. E quando falo movimento social não estou me referindo a apenas os grupos já formalizados. O legítimo conceito de cidadania está eivado de valores como respeito mútuo e enfrentamento às desigualdades, e para isso o movimento popular permite que construamos pontes.

  1. Pautas, ações e desdobramentos dos protestos

O isolamento social é a forma recomendada para que se evite um espraiamento maior da Covid-19, e é o que a Organização Mundial da Saúde (a despeito dos negacionistas, inclusive do Palácio do Planalto) tem recomendado. O que acontece é que estamos numa encruzilhada. Estamos diante uma situação-limite na qual não é possível mais sustentar que apenas fiquemos em casa. Como é possível permanecer inerte diante da estapafúrdia e absurda ocorrência do assassinato de Miguel Otávio de Santana em Recife? Como se calar diante do extermínio de João Pedro Matos Pinto no Rio de Janeiro? Como se contentar em ficar em casa quando se tem um sujeito que preside a república destruindo o país por dentro? Como se furtar a protestar contra a continuidade do genocídio da população negra e da necropolítica projetada a essa população e a outros grupos sociais marginalizados? Respondam-me aqueles que se dizem partidários da democracia, do bem-estar social, do bem-viver, se é possível ficar calado, quieto e inerte diante isso tudo.

Entendo o posicionamento das pessoas que dizem que não devemos ir às ruas. Elas não estão erradas. Elas externalizam a preocupação vigente com a contaminação e o espalhamento do Coronavírus. Elas estão preocupadas também com a possível contrarreação que as forças ditas de segurança poderão imprimir em tais manifestações (porque essas forças ditas de segurança têm lado; é muito emblemático ver as cenas de um policial militar de São Paulo recolher educadamente uma senhora que protestava do lado fascista-bolsonarista da Av. Paulista de maneira educada e gentil, mesmo ela portando um bastão de beisebol – arma branca naquele contexto). Se pensarmos que estamos numa encruzilhada, não no sentido da dúvida da escolha, mas dizendo das diversas possibilidades de caminhada, tanto ficar em casa quanto ir às ruas é legítimo. É possível se manifestar de casa, pelas mídias sociais, mas é importantíssimo (para quem não é de grupo de risco) ocupar, resistir e confrontar a agenda fascista nas ruas.

Deixe aqui o seu comentario

Todos os campos devem ser preenchidos. Seu e-mail não será publicado.

3 Comentários para “Entrevista Bruno Vieira”

  1. Avatar Pedro Henrique Reinaux disse:

    Entrevista maravilhosa. Estamos diante de um super desafio e para mim é fundamental entender quais caminhos nos trouxeram até aqui.
    Estamos em uma crise simbólica, igreja fazendo arminha, professores defendendo a ditadura, inclusive o que Bruno trás muito bem

    1. Avatar Pedro Henrique Reinaux disse:

      Entrevista maravilhosa. Estamos diante de um super desafio e para mim é fundamental entender quais caminhos nos trouxeram até aqui.
      Estamos em uma crise simbólica, igreja fazendo arminha, professores defendendo a ditadura, inclusive o que Bruno trás muito bem sobre o resgates de teorias científica racistas.

  2. Avatar você disse:

    Tanta balela, excesso de blábláblá para acusar o governo Bolsonaro. Por mais que tente inventar uma roupagem universalista, o que transparece é a notória face comunista do entrevistado. Esconde-se atrás da luta antirracista para tentar derrubar uma posição política, posição esta conquistada legalmente através de 57 milhões de votos! É uma lástima que uma mente inegavelmente brilhante entregue-se a uma causa perdida, além de cruel pelo que a História demonstrou e tem demonstrado.

ACONTECE

Chamada para publicação – Boletim 101, N. 01/2024

CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO – Boletim 101, nº 01/2024 Cultura Viva: 20 anos de uma política de base comunitária  Período para submissão: 13 de março a 09 de junho de 2024   A Revista Boletim Observatório da Diversidade Cultural propõe, para sua 101ª edição, uma reflexão sobre a trajetória de 20 anos do Programa Cultura Viva […]

CURSOS E OFICINAS

Oficina Mapeamento Participativo da Diversidade Cultural – Santa Luzia (MG)

O Observatório da Diversidade Cultural, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais, e com o patrocínio da Soluções Usiminas, e apoio do SESC Santa Luzia, realiza a oficina Mapeamento Participativo da Diversidade Cultural. A oficina Mapeamento Participativo da Diversidade Cultural tem como objetivo a formação de agentes culturais, estudantes, pesquisadores […]

Mais cursos